O cortiço
de Aluísio Azevedo, e o novo paradigma
na literatura brasileira oitocentista: o naturalismo
OBJETIVO
Refletir sobre o papel de
O cortiço, de Aluísio Azevedo, na formação do
novo paradigma da literatura brasileira, o naturalismo.
LEITURA RECOMENDADA
O cortiço
, de Aluísio Azevedo, e o novo paradigma na literatura brasileira
oitocentista: o naturalismo
Isabel Pires
A partir da comparação feita por Antônio Cândido, no texto
De cortiço a
cortiço
(1993), entre O cortiço, de Aluísio Azevedo, e O germinal, de Émile Zola, pudesse
perceber que o naturalismo no Brasil, tal como o romantismo, ainda importa um
modelo de romance europeu, sobretudo francês. Para Cândido, porém, enquanto Zola
apresenta simplesmente o modo de vida do operário francês, num cortiço cuja
característica mais marcante é a verticalidade como resultado do processo
desordenado de urbanização,
O cortiço de Aluísio Azevedo representa “aspectos que
definem o país todo” (p.138), superando assim a obra que lhe serviu de modelo.
[...]
Para ele [Antônio Candido], o Naturalismo brasileiro, ao propor o
determinismo do meio e da raça como fatores incontroláveis de degradação da
sociedade, faz com que os intelectuais e os políticos da época percam de vista “a
dimensão mais acessível, que são os aspectos sociais, onde está a chave” (p.139), e
que seriam revelados somente mais tarde, com os estudos sociológicos de Gilberto
Freyre.
[...]
Em
O cortiço, a mistura das raças, que começa a ser abordada pela
literatura no Brasil como um dado concreto da sociedade brasileira, é vista
incontestavelmente como algo negativo e mesmo degradante na conformação dessa
mesma sociedade. A “Estalagem de São Romão”, ou seja, o cortiço onde se desenrola
a história do livro, abrigando imigrantes italianos, colonos portugueses, brasileiros
pobres, mulatos e mestiços de todo o tipo transforma-se, na ótica de Aluísio Azevedo,
em um lugar brutal, onde vida e morte pouco valem, espécie de charco no qual
fermentam vícios e paixões animalizadas, expondo o lado vil da existência humana.
Assim, o meio também se revela, pelo paradigma naturalista adotado, como fator de
conformação social. Em
O cortiço, pois, o paradigma naturalista substitue o paradigma
de literatura como “documento da história”, presente no romantismo. Deste modo, no
ambiente do cortiço, os personagens, de acordo com o novo paradigma, são reduzidos
à condição de “documentos humanos” (RIEDEL, s/data), servindo de estudo da
“patologia” da sociedade, em que a raça e o meio têm papel preponderante.
O cortiço, embora composto por personagens individualizados, cada um
com a história de vida própria, se sobrepõe à individualidade para ser “a comuna” (
O
cortiço
, p.113), tornando-se assim um personagem coletivo, resultante da mistura
orgânica entre a “terra fumegante e a umidade quente e lodosa” (RIEDEL, p.26).
[...]
No entanto, não é somente na conjugação dos fatores raça e meio que a
adoção do paradigma positivista se evidencia na obra de Aluísio Azevedo. Este também
é claramente demonstrado pela pretensa imparcialidade com que o ponto de vista de
cada personagem é apresentado. Ou seja, é oferecida ao leitor, igualmente, a visão —
ou “versão” — que cada um possui acerca dos fatos em que se envolvem.
[...]
Finalmente, mais um traço do paradigma positivista da ciência adotado em
O cortiço pode ser percebido pela ausência de julgamento da conduta dos
personagens, cujo extremo é a impunidade dos crimes cometidos (os roubos e
falsificações de João Romão, o assassinato de Firmo por Jerônimo e seus cúmplices,
os excessos da polícia etc.). Nesse aspecto,
O cortiço se distancia drasticamente do
romantismo, e em especial da obra de José de Alencar, que encerra juízos de valor,
com consequente “julgamento” e “condenação” da conduta dos personagens, como
ocorre em Lucíola, com a morte da prostituta Lúcia. [...]
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